Tiago Rodrigues é Diretor Artístico do Teatro Nacional D. Maria II (TNDMII) desde o início deste ano. Ator, encenador e dramaturgo, com um percurso artístico reconhecido dentro e fora do país, estreia-se agora na programação à frente de um Teatro Nacional. Em Setembro abriu a temporada 2015/2016 com um programa intensivo e de entrada livre, que incluiu múltiplas propostas artísticas programação dentro e fora de portas. Qual a intenção de abrir a nova temporada de programação do TNDMII com um programa como o ENTRADA LIVRE? É o início de um novo projeto artístico e quisemos fazê-lo dando a conhecer várias linhas de trabalho que vão ser desenvolvidas. Quisemos afirmar um modo de pensar os grandes textos universais, o património teatral, a biblioteca do teatro, que é uma das missões do TNDMII, interpelando essas obras para que haja um questionamento sobre o modo como vivemos em sociedade. Preparar textos de reportório não é perpetuar convenções mas, pelo contrário, é confrontar o reportório que, por ser clássico, é intemporal. Quisemos, por outro lado, afirmar a importância do texto escrito em português, através das leituras, da edição e da feira do livro que é um ponto de exclamação no trabalho profundo que o teatro tem feito nos últimos anos. Apresentámos também duas outras linhas de trabalho: uma para a infância e a juventude, que agora é assumida com uma autonomia e legitimidade novas e outra que tem a ver com a envolvente do teatro, o espaço exterior. Foi de entrada livre porque quisemos afirmar a abertura à comunidade e misturar públicos. Foi uma iniciativa claramente democrática no acesso para as pessoas sentirem que é fácil entrar naquele teatro. Sendo um teatro público é um lugar que pertence a todos. A entrada livre serviu para libertar a entrada e dizer que é fácil entrar neste teatro e que o que é difícil é sair. Essa vontade de diversificar os públicos do TNDMII é a intenção por trás da aposta na programação para crianças e jovens e nos projetos comunitários? Para ir ao encontro do maior número e da maior diversidade de pessoas há dois trabalhos fundamentais: um relacionado com a infância e a juventude, o TNDMII tem a responsabilidade de ir ao encontro da educação e da infância, numa lógica de formação de públicos, de enriquecimento e de participação ativa na educação, algo que faz parte da sua missão, que está escrito na Lei Orgânica que rege o TNDMII. O outro tem a ver com a comunidade e com a perceção do TNDMII como um edifício fechado e que não tem uma relação muito próxima com a sua envolvente, que é riquíssima no sentido da diversidade de pessoas e realidades que a habitam. É importante trabalhar com a comunidade para mudar a perceção que o país tem desta instituição. Há artistas em Portugal a fazer um trabalho incrível a esse nível e a Artemrede tem trabalhado muito com esses artistas que, normalmente, não trabalham em sala. Já estamos a desenvolver projetos com o Teatro do Vestido e a Joana Craveiro ou com a Madalena Victorino, por exemplo. Afirmaste que o TNDMII é mais do que um edifício e que, por isso, deve encarar a cidade e o país como espaços naturais da sua programação. Esta é uma ideia a que a Artemrede é muito sensível. Que ideias tens para materializar esta vontade? Temos uma ambição clara de maior circulação dos trabalhos do TNDMII, sejam eles integrados no reportório do TNDMII ou novas criações de artistas com produção do TNDMII. Mas também queremos que a nossa relação passe por cooperação e não apenas digressão. Há muitos portugueses que nunca foram ao TNDMII porque não podem, porque estão longe de Lisboa. E a experiência para os jovens, por exemplo, de entrar no teatro, tem uma importância para além do espetáculo que possam ver. Quando sabemos que muitos portugueses não podem conhecer o TNDMII devido à distância, então somos nós que temos de cumprir o dever de ir ter com as pessoas aos vários pontos do país. Essa é uma proposta para reduzir as assimetrias que existem, no país, no que respeita ao acesso à cultura? O acesso à cultura é talvez o maior défice democrático que existe em Portugal, maior do que o acesso à participação política, à educação, à saúde... O acesso à cultura é mais violento porque é tratado como se não fosse um direito constitucional. Se a cultura não for garantida pelo Estado está-se a promover a ideia que ela é desnecessária. Ao passo que para todos é uma evidência que a saúde é necessária. Essa evidência não é tão visível no que é o empobrecimento da imaginação e da qualidade de vida das populações que não têm acesso à cultura. Só que, quando olhamos para a história da Europa e falamos do nosso atraso histórico, percebemos que esses países tiveram oferta cultural durante anos suficientes para que a cultura se tornasse num motor civilizacional e para terem hoje economias e tecnologias fora de série. Este escamotear o défice de acesso democrático à cultura em Portugal é um contributo fatal para aquilo que são muitos dos problemas que vemos na sociedade portuguesa. Um país com teatros a funcionar com acesso a dança, artes visuais, teatro? Esse país ainda não foi cumprido. Nós ainda não estamos no século XXI de serviço público de cultura. As parcerias (e as redes) poderão ter um papel para combater o esvaziamento de política a que temos assistido na cultura e nas artes, especialmente fora dos grandes centros? De que forma pode o TNDMII contribuir para esse fim? Queremos assumir-nos como um teatro com presença em todo o território nacional, queremos que os espetáculos rodem por todo o país na multiplicidade de espaços que continuam a tentar dar uma oferta artística à sua comunidade. Há algumas redes, nomeadamente em Lisboa e Vale do Tejo, onde a Artemrede atua, ou no Minho, por exemplo, com as Comédias do Minho...mas há uma grande fatia do território que continua completamente sem ânimo. Lançámos por isso um projeto, a rede Eunice, que é onde vamos usar o dinheiro dos contribuintes para combater a assimetria cultural. Vamos fazer circular espetáculos, mas também fazer lançamentos editoriais, leituras, trabalho com a infância e juventude, trabalho com professores. Será uma presença regular e que, por isso, permitirá criar uma relação com a comunidade. Queremos ir a teatros onde exista um projeto artístico mas que, por falta de recursos, ele não se possa cumprir totalmente, e onde a presença do TNDMII possa, efetivamente, fazer a diferença. A tua relação com a Artemrede é antiga, dirigiste uma das nossas primeiras coproduções, em 2007 - o espetáculo Duas Metades; em 2014 tiveste dois espetáculos teus a circular na rede – Três Dedos abaixo do Joelho e By Heart. E este ano escreveste um texto muito poético que encerra o Plano Estratégico 2015-2020. Como vês o percurso da Artemrede e dos seus teatros nestes anos? Eu tive o privilégio de ter colaborado com a Artemrede como artista muito cedo e depois, com o hiato de alguns anos, voltar já para outra realidade e ver como a Artemrede cresceu e surpreendeu-me. Associo a Artemrede sobretudo ao acompanhamento de artistas, de comunidades, de públicos, o que corresponde a um percurso do projeto: perseverar. A Artemrede faz um trabalho que é o contrário do que se costuma fazer, o fogo-de-artifício, que gera por vezes infraestrutura mas pouco sentido. Nos teatros onde trabalhei com a Artemrede esse era o grande desafio e o grande êxito: encher de sentido o que de outra forma estaria vazio. O projeto da Artemrede reúne êxitos que se podem quantificar e um impacto que pode ser medido, mas também imaginado nas comunidades, que é o o aumento da qualidade de vida destes territórios. Para além do que é a consequência positiva de um projeto de oferta cultural artística e profissional com regularidade a comunidades que de outra forma não teriam acesso a ela, tem consequências na qualidade de vida dessas comunidades e no país, porque há um número muito maior de pessoas que pensa em coisas que não pensaria se não tivesse tido acesso a esses projetos. São, assim, populações mais ricas. Como fica o Tiago Rodrigues encenador, ator e dramaturgo, agora que assumes as funções de Diretor Artístico de um teatro nacional? Encerrei o Mundo Perfeito e resolvi selecionar algumas peças e ofereci-as ao TNDMII, o que alavancou logo a internacionalização do TNDMII, com a ida ao Festival de Avignon do espetáculo António e Cleópatra e a presença no Festival de Dublin do By Heart. Estamos a fazer um trabalho profundo da internacionalização do TDMII e, através dela, de atores e autores portugueses. A internacionalização é o contrário da imigração, porque os artistas portugueses, ao cooperarem além-fronteiras, enriquecem o seu trabalho e o primeiro beneficiário disso é o público português.