Como podem a cultura e as artes recuperar e reafirmar valores de solidariedade?
Estratégia e ação de uma rede de municípios
Marta Martins (Diretora-Executiva da Artemrede)
Texto originalmente publicado em The Handbook of Cultural Work, a convite da Fundação Onassis Stegi.
‘A verdade não pode ser o motivo ético das nossas escolhas – apenas a solidariedade pode sê-lo’
Franco Berardi
Um passo ousado: a participação enquanto prioridade estratégica da Artemrede
Em 2015, depois de um amplo processo de reflexão estratégica, envolvendo múltiplos atores e debatendo sob diferentes lentes o futuro da Associação, a Artemrede deu um passo ousado para uma rede de características semipúblicas, composta por mais de uma dezena de municípios (17 em 2022) num território diverso, extenso e assimétrico. No seu Plano Estratégico e Operacional 2015-2020, a Artemrede deixa de se definir como uma rede de teatros, focada na circulação, para se afirmar como um projeto de cooperação cultural tendo em vista o desenvolvimento dos territórios e das comunidades. Isto significou, entre tantas outras coisas, que o foco da atividade da Artemrede passou a estar na criação de projetos de longa duração, construídos a partir dos diversos contextos locais e promovendo a participação das populações. Uma das prioridades estratégicas da rede passa a ser ‘Reforçar os laços da cultura e das artes com o território e a população’, o que significa, citando o dito Plano:
“A Artemrede considera que as artes e a cultura têm um papel fundamental na construção da cidade e da cidadania, no reforço do sentimento de pertença às comunidades e na promoção do bem-estar-social. (..) é essencial encarar a programação cultural na perspetiva da mediação, não se bastando na relação artista-público e no mero acolhimento de propostas artísticas. (…) Neste sentido, a Artemrede elege como prioridade, na área da criação artística, a produção de projetos comunitários ou que tenham uma efetiva intervenção nos territórios. (…) Esta escolha representa uma aposta na participação das populações na vida cultural como elemento indissociável de construção de uma sociedade democrática e próspera (..). Revela também a convicção da Artemrede no potencial transversal da cultura, na capacidade que esta tem de apelar a identidades e de recorrer a emoções para construir comunidades, ainda que temporárias, e de recuperar sentimentos de pertença e de identificação com o(s)Outro(s).” (Martins, 2015)
Este novo posicionamento da rede foi profundamente debatido internamente, entre programadores, técnicos e decisores políticos. Enfrentaram-se resistências de ordem técnica – equipas pouco preparadas, reduzidas e desmotivadas – e política – diferentes visões sobre a participação cidadã e relutância no investimento de recursos. Foi, assim, um ato arriscado de uma rede acabada de sair de uma crise financeira, sujeita a processos de decisão lentos e influenciada por calendários e mudanças eleitorais.
No entanto, este passo revelou uma crença no potencial das práticas artísticas participativas, não apenas na criação de públicos culturais, mas na promoção de uma certa coesão social:
“A Artemrede está consciente de que não cabe às instituições culturais a resolução de problemas estruturais da sociedade. Problemas como a exclusão social não terminam após bem-sucedidos projetos artísticos de envolvimento comunitário e estes não podem cair na tentação de criar essa expectativa. No entanto, a Artemrede acredita que podem ser determinantes na construção de um imaginário social e cultural que propicia a criação de pontes e estimula o pensamento, contribuindo desta forma para uma sociedade democrática e inclusiva.” (Martins, 2015)
A cultura faz mal?
Um estudo recente em Portugal revelou aquilo que já todos empiricamente sabíamos: a cultura, a fruição e a participação culturais são espaços de privilégio. Apenas os mais privilegiados – no que respeita à classe, ao capital escolar e ao contexto sociogeográfico – participam ou consomem regulamente cultura (e mesmo estes em percentagens mínimas). O Inquérito às Práticas Culturais dos Portugueses, realizado em 2020 sob encomenda da Fundação Calouste Gulbenkian ao Instituto de Ciências Sociais (Pais, 2022) traça um cenário avassalador: 61% dos inquiridos não leram nenhum livro impresso em 2020, apenas 28% frequentaram museus no ano anterior ao início da pandemia, 13% foram ao teatro, 6% viram um concerto de música clássica. Por outro lado, 38% frequentaram festas e festivais locais. Analisando os perfis dos inquiridos que frequentam práticas culturais, os dados revelam as assimetrias sociais no acesso à cultura em Portugal. São, na sua maioria, pessoas com maior capacidade económica, capital escolar e provenientes de um contexto familiar que favorece os hábitos culturais desde a infância. Esta realidade não é específica de Portugal. No Reino Unido, no livro ‘Culture is bad for you’ (Brook, 2020), os investigadores Orian Brook, Dave O’Brien e Mark Taylor demonstram que a cultura está estritamente relacionada com a desigualdade social. Apresentam dados que revelam que a cultura é um privilégio de alguns e o seu consumo acentua esse mesmo privilégio ao reforçar o capital cultural dos seus consumidores / praticantes. De acordo com Bourdieu, o capital cultural funciona como um dispositivo de dominação, que permite aceder a estatuto social e poder. (Brook, 2020) Mas também a definição de cultura, quem define o que é cultura e o que não é, reforça a desigualdade social – a forma como os inquéritos são construídos e o que é considerado baixa cultura e alta cultura, participação cultural e lazer, atribui valor a determinados consumos e formas de participação na cultura, enquanto outros são desvalorizados e excluídos. (Brook, 2020) A cultura é um instrumento de expressão, reconhecimento e representação social que ‘molda o espaço do visível e do invisível, do dizível e do indizível" (Rancière, 2010) - o alcance político da cultura é, portanto, uma questão democrática e política global. (Meynard, 2020)
Ambos os estudos demonstram o quão importante é o contexto familiar e social na formação de hábitos culturais. A participação cultural, desde a infância, é um dos elementos mais importantes na criação de espectadores e praticantes e, especialmente, na escolha profissional dos trabalhadores da cultura: ‘As desigualdades no acesso à cultura moldam profundamente a forma como os nossos trabalhadores culturais entendem a possibilidade de uma carreira numa profissão cultural. Para alguns, sentiam-se totalmente à vontade em profissões culturais. Para outros, foi uma revelação mais tarde na vida que a cultura era algo que podiam fazer para ganhar a vida". (Brook, 2020)
Para além dos fatores económicos, sociais e educativos (em Portugal não há dados de caracterização racial da população), existe um outro que tem sido uma batalha da Artemrede na correção das desigualdades no acesso à cultura: o fator geográfico. Existem grandes assimetrias territoriais no acesso à cultura em Portugal: Lisboa e Porto concentram a grande maioria das instituições e dos agentes culturais - 40% em Lisboa, 14% no Porto, segundo dados de 2014 (Garcia, 2014). A democratização cultural, associada à descentralização, tem sido maioritariamente assegurada pela ação dos municípios, cuja despesa em cultura representa mais de 5% da despesa total dos municípios (comparativamente com a despesa do OE para a cultura, que em 2022 representa cerca de 0,3%). Existem, no entanto situações muito díspares e este investimento nem sempre se reflete em políticas culturais estruturantes e estratégias delineadas e concertadas.
Mas o acesso a uma oferta cultural diversificada e descentralizada não significa necessariamente apropriação, envolvimento, interpretação. As políticas baseadas na democratização cultural falharam porque não basta distribuir a oferta cultural, construir equipamentos e investir em programações com mais ou menos atividades educativas. E um capital escolar mais elevado não representa, necessariamente, um fator determinante na formação de um consumidor cultural assíduo (apesar de ser mais favorável, não se revela evidente, como demonstram os dados acima, com números muito baixos de públicos de cultura em qualquer nível de habilitações). É aqui que a participação cultural, enquanto empoderamento e capacitação das comunidades adquire um papel fundamental na construção da democracia cultural. “Perante a fragilidade atual das democracias, a participação é convocada, transversalmente, como uma possibilidade de reinvenção destes sistemas (…). A necessidade, na atualidade, de imaginação cívica e política para repensar configurações de participação convencionais, modos de vida e de produção, é determinante.” (Cruz, 2021)
Mas de que falamos quando falamos de arte participativa?
Existem diferentes conceções e abordagens aos conceitos de arte participativa e arte comunitária, mas usarei aqui a proposta de François Matarasso: ‘Arte participativa é a criação de um trabalho artístico por artistas profissionais com artistas não profissionais.’ A primeira caraterística importante nesta definição é a criação de um objeto artístico, sem a qual o projeto se situa na esfera educativa ou social e não no campo da arte. (Matarasso, 2019) A segunda característica, segundo este autor, é a de que todos os envolvidos são artistas, no sentido de que todos fazem arte. E a arte comunitária? Matarasso afirma que as raízes da arte participativa encontram-se na arte comunitária e avança com uma definição mais complexa para esta última:
‘A arte comunitária é a criação de arte como direito humano, com artistas profissionais e não profissionais, que cooperam entre iguais para propósitos e com padrões estabelecidos em conjunto, e cujos processos, produtos e resultados não podem ser conhecidos antecipadamente’. (Matarasso, 2019) Apesar de semelhante à definição de arte participativa, a arte comunitária prevê um equilíbrio de poder, em que os pressupostos do trabalho são definidos em conjunto, sem hierarquias e sem um objetivo pré-estabelecido. Matarasso situa, assim, a arte comunitária na esfera da democracia cultural, enquanto a arte participativa estaria no campo da democratização cultural.
Estas definições e interpretações são obviamente complexas e nem sempre é claro enquadrar uma determinada prática na dimensão da arte participativa, arte comunitária, desenvolvimento social ou atividade educativa. Na Artemrede já desenvolvemos projetos que facilmente se enquadram numa ou outra categoria e muitos que navegam entre conceitos.
Como cruzam fronteiras – arte, social, educação, saúde, urbanismo, etc - e desafiam papéis – artista, educador, criador, mediador, participante, espectador – os projetos que assentam na participação dos cidadãos nos processos artísticos podem ser instrumentos poderosos na construção de comunidades mais coesas, democráticas, justas e solidárias.
Meio no Meio: uma caminhada de mil passos
A Artemrede desempenha um papel de aliado dos municípios e, até, de propulsor de políticas e programas locais. A ação da Artemrede parte das especificidades dos territórios e das populações – urbanos, suburbanos, rurais, semirrurais, interior, litoral, cidades de pequena, média e grande dimensão, com maior ou menor oferta cultural – introduzindo elementos como a cooperação, a aprendizagem interpares e a inovação. É também neste cenário que surgem os projetos participativos e intermunicipais que se focam na capacitação e na formação.
Meio no Meio foi o segundo projeto desenvolvido pela Artemrede no âmbito do programa de financiamento PARTIS (Práticas artísticas de inclusão social) da Fundação Calouste Gulbenkian. Com a duração de três anos (2019-2022, estendido seis meses devido a adiamentos provocados pela pandemia COVID-19), o projeto trabalhou com jovens e adultos vulneráveis dos municípios de Almada, Barreiro, Lisboa (Marvila) e Moita. Tratam-se de periferias da cidade de Lisboa, com uma forte presença de população imigrante e de comunidades com diferentes origens e culturas, de baixos rendimentos e com ocorrência de comportamentos de risco. São territórios com uma percentagem expressiva de população jovem, com várias problemáticas identificadas: desemprego, absentismo e insucesso escolar, doenças mentais, consumos de drogas e pequenos delitos criminais, assim como uma elevada percentagem da população adulta sem ocupação. Nesse sentido, o projeto propôs uma estratégia centrada na formação artística, na aquisição de competências pessoais, sociais e profissionais e no diálogo intergeracional. Desenvolvido sobre os alicerces de um projeto anterior nestes territórios (Odisseia), também cofinanciado pelo programa PARTIS, Meio no Meio foi estruturado a partir das aprendizagens adquiridas e tendo em vista o impacto que se propôs alcançar: Promover instrumentos e hábitos de participação da população contribuindo para uma comunidade mais solidária e resiliente. Sob direção artística de um coreógrafo de renome – Victor Hugo Pontes – e envolvendo outros quatros artistas sedeados nos territórios envolvidos, o projeto promoveu, nos dois primeiros anos, formação artística nas disciplinas de dança, teatro, cinema, música hip-hop e artes visuais a 73 participantes (46 jovens e 27 adultos). No terceiro ano, Victor Hugo Pontes selecionou 12 participantes para integrarem o elenco de um espetáculo dirigido pelo próprio e que envolveu outros artistas profissionais. Realço algumas características do projeto que, a meu ver, possibilitaram o seu sucesso:
- uma gestão robusta e com competências nas áreas em causa: foram constituídas equipas duplas de coordenação local em cada município, constituídas por técnicas das áreas cultural e social, para que nenhuma destas dimensões fosse descurada num projeto artístico de inclusão social
- a mediação entre a comunidade, os artistas, os municípios e a Artemrede, através de quatro elementos das comunidades locais, dois dos quais participantes do projeto anterior, numa perspetiva de empoderamento e aposta na evolução técnica e profissional destes dois jovens
- o foco na capacitação, nomeadamente na aquisição de competências através de ciclos de formação em várias disciplinas artísticas com múltiplos objetivos: promover competências sociais e pessoais como o trabalho em equipa, a autonomia, o sentido crítico e a comunicação; alargar o horizonte de oportunidades de escolha profissional; robustecer o espetáculo final; consolidar o grupo, fortalecer as relações pessoais, facilitando assim a criação de redes de amizade e solidariedade, nomeadamente intergeracionais
- a existência de Encontros de Partilha anuais, reunindo todos os protagonistas, onde se partilhava o que tinha sido alcançado até então, eram promovidos exercícios que apelavam à criatividade e ao conhecimento do outro e dinâmicas para em conjunto identificarmos problemas e encontrarmos soluções
- a aliança entre profissionais e não profissionais na constituição do elenco do espetáculo final
- a dimensão de avaliação e investigação, que permitiu avaliar o alcance dos resultados propostos.
Este projeto teve um impacto significativo em vários participantes e a comunidade que se criou revelou-se um apoio fundamental em situações de fragilidade emocional, nomeadamente durante o isolamento social provocado pelo surto pandémico em 2020. A pandemia apanhou o projeto no início do seu segundo ano, quando as relações pessoais estavam a fundar-se. O distanciamento abalou o grupo, pôs a nu situações graves de solidão e de ausência de estrutura económica e social, colocou em causa o envolvimento dos participantes e obrigou a uma resposta rápida e criativa por parte de coordenadores e artistas. A equipa manteve os participantes em contacto através de exercícios criativos nas plataformas digitais, o que exigiu um acompanhamento personalizado, encontrando soluções quando o acesso ao digital não era uma possibilidade para alguns. (Lucena, 2021)
A criação do espetáculo foi um momento de viragem no projeto e essencial na construção dos resultados alcançados. O diretor artístico, Victor Hugo Pontes, selecionou 12 participantes e 1 mediador para se juntarem a outros 3 intérpretes profissionais. O processo de seleção foi duro e obedeceu a critérios como assiduidade, dedicação, competências adquiridas, mas também diversidade etária: o participante mais novo tinha 18 anos e a mais velha 73.
O processo de residência foi particularmente exigente, num tempo muito curto e sempre sob a ameaça do vírus COVID-19. O texto, escrito pela dramaturga Joana Craveiro, partiu de conversas com os participantes, de histórias das suas vidas, de elementos que foi identificando como transversais e sempre presentes: o colonialismo, o racismo, as oportunidades (ou os constrangimentos) no desenho do seu futuro.
Esta estratégia permitiu provocar o debate sobre valores democráticos, confrontar ideias, criar espaço e tempo para as várias vozes se ouvirem. A formação e os Encontros de Partilha já tinham conseguido questionar alguns preconceitos associados à idade, à diferença, mas o processo de criação do espetáculo permitiu aprofundar estes temas e deitar abaixo os últimos muros.
Para alguns, Meio no Meio foi também o início de um percurso profissional que nunca imaginaram ser possível: Benny, 18 anos, do bairro do 2º torrão da Trafaria, confrontava um dos intérpretes profissionais, no início da residência: ‘mas este é o teu trabalho? E pagam-te por isso?’. Trabalhar em algo que dá prazer não fazia parte do que imaginava ser o seu futuro.
Meio no Meio, como outro projetos participativos ou comunitários, deixou sementes: por vezes são capazes de mudar a vida de algumas pessoas; na maioria dos casos são momentos de encontro, de diálogo, de conhecimento, de participação num projeto coletivo, elementos que são as bases da democracia: ‘Uma caminhada de mil passos começa com um, o primeiro’.1
Participação e Política, uma relação conturbada
A relação entre participação cultural e participação política, entre cultura e democracia, não é linear nem uma fórmula mágica. (Cruz, 2021) Como já alertávamos em 2015, no Plano Estratégico e Operacional, não cabe à arte resolver problemas sociais e políticos e cair neste discurso simplista é uma armadilha da agenda neoliberal e populista. Existe, no entanto, um potencial na arte e nos projetos participativos, de expansão de horizontes e de criação de espaços de liberdade. “A liberdade pensada como autonomia do ser que inventa, ressignifica seu tempo e se potencializa como ser, inclusive e sobretudo no pensar, criar e fruir livremente. Esse é o campo em que a estética se encontra com a política, pois contribui para promover as condições em que a liberdade é um valor, e as artes, uma potência para a vida.” (Porto, 2019)
A participação cultural assume diferentes níveis de engajamento - Spectating, Enhanced engagement, Crowd sourcing and Co-creation (Meynard, 2020) – que estão também relacionados com diferentes conceções da democracia na cultura: democracia cultural e direitos culturais, democratização da cultura, democracia participativa e deliberativa, empoderamento e transformação social (Meynard, 2020). Tanto no campo cultural como no político, a participação pode ser limitada, controlada, instrumentalizada por aqueles que detêm o poder de decisão. No setor cultural a maioria das práticas artísticas participativas situa-se no campo do acesso e não da democracia cultural, na medida em que nem todos têm igual controlo dos meios de criação. A definição do que é apresentado e valorizado como arte e aquilo que é excluído dos espaços públicos de cultura, está nas mãos de especialistas, o que contribui para o distanciamento dos cidadãos face às instituições culturais, como acontece com as instituições políticas.
A partilha do poder de decisão é, assim, determinante em processos participativos democráticos, e algo difícil de observar tanto no campo cultural como no político. A qualidade da participação é aquilo que pode evitar a instrumentalização das práticas artísticas comunitárias e criar um espaço seguro, equitativo, que estimule a criatividade e contribua para o desenvolvimento pessoal e humano. Para isso, há elementos que devem ser assegurados nestas práticas: a continuidade, o foco no processo e não tanto no resultado, a diversidade, a reflexão, a tomada de decisão partilhada, a ligação ao contexto local e social, a colaboração, a comunicação clara e fluída, são alguns dos fatores a ter em conta para assegurar uma participação real. (Cruz, 2021). Se a relação entre participação cultural e política não é direta, podemos avançar que participação tem o potencial de gerar participação e que os espaços de criação artística comunitária podem assumir-se como plataformas de experimentação de outras formas de fazer arte e política (Cruz, 2021). “A relação entre práticas artísticas e comunitárias e a participação cívica e política é de influência mútua. (…) As experiências de participação cívica e política anteriores percecionadas como eficazes e satisfatórias (…) influenciam a integração nos grupos de teatro, sendo que as práticas artísticas comunitárias parecem reforçar a participação cívica e política.” (Cruz, 2021)
Num mundo controlado por governos neoliberais que fomentam a desigualdade, a alienação e o individualismo, cabe também às organizações e aos profissionais culturais serem agentes da mudança. Como? Começando por deixar de perpetuar relações hierarquizadas e colocando os cidadãos no centro das suas ações. Criando espaços democráticos, abertos, plurais, que representem múltiplas vozes e que não se centrem apenas em edifícios e programações definidas por poucos para poucos. Acreditando que o potencial transformador da cultura e das artes só se materializa quando todos se sentem representados, reconhecidos, ouvidos e empoderados para contribuir e receber.
Marta Martins
Maio 2022
1 Frase retirada da sinopse do projeto Meio no Meio, promovido pela Artemrede em colaboração com os Municípios de Almada, Barreiro, Lisboa e Moita, a associação Nome Próprio e a cooperativa Rumo. Cofinanciado pela Fundação Calouste Gulbenkian.